quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Dedicatória e Agradecimentos

Dedicatória

Dedico este trabalho a todos os companheiros de jornada, os que menciono e os que porventura foram olvidados. Sem eles, estas reminiscências não teriam acontecido.

Ao professor Olavo Silva Júnior, a quem muito devo.
À cidade de Mauá, que sempre me acolheu e onde quero dormir o meu sono derradeiro

Aristides Theodoro


Agradecimentos

Quero agradecer à Iracema M. Régis, que em todos os momentos deste livro deu as suas sábias orientações, ora criticando, ora fornecendo dados, corrigindo os meus volteios desnecessários e, por fim, melhorando a minha prosódia medonha.
À Sílvia Ahlers, pela confiança que depositou em mim na elaboração destas notas que vão além das minhas forças.
Guilherme Vidotto, que meteu a mão na massa, contribuindo para a descoberta de novos documentos e pessoas para estas histórias.
Chico Tânio, com sua paciência bovina, que digitou e, em alguns lugares, melhorou o fio destas narrativas.
Às Professoras Judith Vilas Boas Ribeiro e Terezinha da Silva Malta pela ajuda prestada.
E, por fim, a todos os escritores mauaenses, em primeiro lugar aos fundadores do finado Colégio Brasileiro de Poetas, de Mauá, bem como aos que vieram depois, sem os quais essas memórias não teriam razão de existir.
Em particular, à saudosa memória de Antão Piedade, fundador do jornal “A Voz de Mauá”, que teve prosseguimento com seu filho, Fausto Piedade; ambos sempre confiaram em nós, cedendo espaços valiosos do seu semanário, para a publicação de trabalhos de alguns garotos imberbes, sonhadores, que pretendiam consertar o mundo e, ainda por cima, se tornarem escritores famosos.

O Autor




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ARISTIDES THEODORO E SEU “LIVRO VINGADOR”

ARISTIDES THEODORO
E SEU “LIVRO VINGADOR”

Ao debruçar-se sobre as Manifestações Literárias em Mauá, considero que Aristides Theodoro, qual um Euclides da Cunha ao escrever Os Sertões, teve a oportunidade de cunhar o seu “Livro Vingador”. Não no sentido da vingança gratuita, muito menos no sentido mesquinho da palavra, mas, para fazer justiça à história cultural da cidade, mormente na parte literária e no que diz respeio ao Colégio Brasileiro de Poetas, de Mauá.
Do nosso conhecimento, há três obras de destaque, publicadas, que versam sobre a história de Mauá e da Região do Grande ABC, que são: “Mauá... Sua História”, de Roberto Botacini, Editora Cambridge, Ribeirão Pires; “De Pilar a Mauá”, do jornalista e historiador Ademir Médici, realização da Prefeitura do Município de Mauá (Fundo de Assistência à Cultura), colaboração de empresas do Município, 1986; e “História da Literatura em Santo André, Um ensaio através do tempo” de Tarso M. Melo, Edições Alpharrabio, 2000. O primeiro dos livros aqui citados dá uma leve pincelada sobre a história de Mauá, sem aprofundar-se muito em cada assunto e teve a preocupação de citar os nomes das famílias, que formaram a população mauaense. “De Pilar a Mauá” trata da memória histórico-social do Município, enfocando alguns aspectos culturais, como a preservação do Casarão (hoje Casa da Cultura e Museu Barão de Mauá); a formação da Corporação Musical Lira de Mauá (conhecida por Banda Lira) e a existência de um grupo musical chamado “Os Quatro Bias e Um Cigarro”. Muito embora o Colégio Brasileiro de Poetas estivesse atuando culturalmente na provinciana Cidade da Porcelana, há quase dez anos, quando da publicação dessas duas primeiras obras citadas, nada fora dito por esses dois autores. E na “História da Literatura em Santo André, Um ensaio através do tempo” , a despeito do material de pesquisa em disponibilidade e dos subsídios por nós fornecidos, O Colégio Brasileiro de Poetas, de Mauá, e alguns remanescentes, foram enfocados sutilmente.
É necessário esclarecer ao leitor, que Aristides Theodoro, ao escrevinhar essas Manifestações, não teve a petulância de querer abranger toda a História Literária da cidade e esgotar o assunto, mesmo porque a ênfase do trabalho recairá naturalmente sobre o que ele vivenciou e presenciou mais de perto, como é o caso da atuação do Colégio Brasileiro de Poetas - primeiro grupo literário de vida longa e repercussão inegável, na região do Grande ABC - o qual ensejou o surgimento de vários outros grupos, a exemplo do Livreespaço de Poesia, de Santo André, e do Letra Viva, de Guarulhos, este último formado pelo poeta Castelo Hanssen.
Concluímos que a persistência é uma das mais poderosas ferramentas de luta e por isso cá estamos a preservar essas memórias, que também ajudamos a construir.


Iracema M. Régis
Mauá, 15/06/2001


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CAPÍTULO I

CAPÍTULO I

“Nosso dever para com a História é reescrevê-la”
Oscar Wilde


Houve um tempo em que Mauá, cidadezinha provinciana do ABC paulista, cheia de fábricas de louça, carros-de-bois, muitos animais soltos pelas ruas e encostas dos morros cobertos de farta vegetação nativa, era um povoadozinho insignificante, bucólico, onde se presenciavam aos domingos à noite, na Concha Acústica , algumas festas ingênuas do povo, tais como catira , reisados e fandangos. Foi nessa época que surgiram algumas manifestações culturais na cidade.
Tudo começou em torno do Grêmio Monteiro Lobato, onde se pegavam livros emprestados, se discutia vida alheia, moça bonita, política e até literatura, de vez em quando. Foi em torno desse ambiente que a turma ia-se conhecendo . Também passei por lá, e conheci Valêncio Branco, Benedicto Millaneli, Jarbas, Moisés Chaad, Pacolla, Chegadinho e muitos outros.
Mais tarde, com o crescimento desordenado da cidade, já nos dias sombrios da ditadura de 1964, apareceu o famoso Bar do Yugo, um japa simpático, sorridente, culto e dono de um enorme coração, que, ao se instalar no comércio local, tornou-se uma espécie de novidade; quebrando a monotonia do ambiente provinciano, acanhado, onde só se ouviam os apitos das fábricas de louça e o resfolegar fantasmagórico das máquinas ferroviárias. Foi ali que conheci os irmãos Hanssen, Castelo e Dirceu (o último já falecido). Ali, conheci o Mané Galileu, ou melhor dito, Manoel Ribeiro Soares (o Galileu fica por minha conta porque o danado do mineiro, além de cínico, cético e dialético, gostava uma barbaridade de matemática). Conheci também o J. Ramos, o Manoel Carlos dos Santos e outros. Esse bar era uma extensão do Grêmio Monteiro Lobato, onde imperava seu diretor, o velho e conhecido, “
seo Dito” e onde discutíamos os livros lidos e começamos, um após outro, como diria meu pai, em bom baianês, a “botar as unhas de fora” e a mostrar os nossos primeiros pecados literários.
Alguns, como o Castelo Hanssen e o Moysés Amaro Dalva, já demonstravam a que vieram e já se percebiam nos seus escritos iniciais uma certa força e algumas imagens bonitas, quase bem construídas. O Moysés lia muito, chegou a devorar, nessa época, cento e tantos livros em um ano. Era um exímio declamador e abafava, quando se punha a dizer o “Navio Negreiro”, de Castro Alves. Como bebeu muito em Victor Hugo e no condoreiro baiano, seus primeiros escritos deixavam transparecer a influência dos dois grandes vates. Coisa de que ele não gostava quando alguém se referia ao assunto. Trata-se de um poeta muito erudito e de grande produção literária; de certa forma, quase toda inédita, com exceção de alguns poemas publicados por mim, nos anos sessenta, na antiga “
Tribuna Popular”, do Nelson Bergamaschi, de Santo André, onde mantive, por vários anos, uma coluna chamada “Caminhos Literários” e de outros poemas publicados em um livro pirandelescamente intitulado “10 Poetas em Busca de um Leitor” - editado pelo recém-fundado “Colégio Brasileiro de Poetas”. Criado inicialmente por ele e por mim, conseguiu-se tirar muita gente do ineditismo, tais como Moacir Alves da Silva, Iracema M. Régis, Antenor Ferreira Lima (falecido), Samuel Fernandes de Aguiar, Marco Salles, Derci Miranda Gomes. Convém dizer que Mané Galileu, Dirceu Hanssen, Castelo Hanssen e este escriba, que também figuramos no livro, não éramos inéditos, porque militávamos (alguns bem esporadicamente), na citada Tribuna Popular, onde eu, um dos mais exaltados do grupo, sustentei algumas polêmicas, as mais acaloradas: uma, com o radialista Nelson Rodrigues, que mantinha uma coluna intitulada “SHOW” e em que nos filhodaputeamos; ele entrincheirado nas páginas do “Jornal da Região do Grande ABC” e, este que lhes fala, na “Tribuna Popular”. A minha segunda polêmica foi com o Dr. Décio Francisco Pereira, que escrevia para a Tribuna Popular um troço horrível , chamado “O Acadêmico de Direito e a Literatura”. Coberto de uma vaidade pavoneana, deitava a “cagar” regras sobre tudo e sobre todos, sem o mínimo conhecimento daquilo que se punha a falar.
Desses primeiros moços do Bar do Yugo, o Castelo Hanssen (hoje jornalista famoso na imprensa guarulhense), escreveu um livro intitulado “
Canção pro Sol Voltar”; Antenor Ferreira Lima, “Maré Vermelha” e “Tormenta das Horas”, Iracema M. Régis, “Poesia”, J. Ramos “Apelo”, “Poesia da Solidão” e “Espírito Selvagem” e eu, publico alguma coisa individualmente. Os outros não saíram das páginas iniciais das quatro antologias editadas pelo Colégio Brasileiro de Poetas, o que foi uma pena, porque tinha gente promissora, como os poetas Marco Salles, Samuel Fernandes de Aguiar e Moysés Amaro Dalva, que, ao lado de Castelo Hanssen, eram os mais promissores de toda a turma. Por esta época, publiquei o meu primeiro livro, intitulado “Dandaluanda”, livro, do qual não gosto nem de falar o nome. Um livro “abaixo da desconsideração”.
A exemplo de Castelo Hanssen, Iracema M. Régis publicou “
Poesia”, 1983 e continuou publicando artigos nos jornais da região; posteriormente vieram as participações em Antologias, culminando com outras publicações poéticas individuais (cordel).




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CAPÍTULO II

CAPÍTULO II

Volto a falar do grupo de rapazes que criou, nos anos sessenta, o Colégio Brasileiro de Poetas em Mauá. Para tanto, vou relatar alguns episódios periféricos, tendo elementos do grupo como figurantes.
Certa manhã, no já citado Bar do Yugo (pois íamos lá aos domingos, religiosamente), logo ao ocupar a nossa mesa predileta, do lado direito de quem entrava no boteco, fomos tirando dos bolsos os nossos mais recentes escritos, muitos deles feitos durante a semana e começamos a ler e a discutir seus conteúdos. O Moysés Amaro Dalva e o Castelo Hanssen, como já dissemos, eram os melhores poetas do grupo e como tal, Moysés acabara de escrever um poema infame, violentíssimo que, se caísse nas mãos do mais reles soldadinho defensor dos ideais da revolução de l964, seria capaz de conduzir seu autor aos porões sórdidos e fétidos dos DOPs da vida. O poema se chama “A dança do Fogo” e começava assim: “Nós vamos é cortar pescoços, nós vamos é quebrar garrafas”, ...nisso, o Dirceu Hanssen, beberrão inveterado, apelidado por mim de “Quincas Berro D’Água”, tossiu, retemperou a goela, pediu um aparte, para dizer com um sorriso de bêbado estampado no carão vermelho de pimentão maduro:

- Moysés, pode quebrar as garrafas, mas só depois de vazias!...

Castelo Hanssen só engraxava os sapatos esporadicamente e ainda assim para ajudar indiretamente o engraxate (Castelo é de um humanismo extraordinário, uma espécie de São Francisco de Assis com cara de alemão). Sentou-se na cadeira do profissional, encostou-se à parede do bar, pelo lado de fora e, assim que o rapaz começou a limpar a lama do calçado, apareceu, na esquina da rua Justino Paixão, um camburão da Polícia em alta velocidade, com as luzes e sirenas ligadas, em verdadeiro berreiro de fim de mundo. O Castelo sempre detestou policiais, a ponto de escrever um poema com os seguintes dizeres: “Um homem é um homem, mesmo humilhado, mesmo castrado, mesmo cagando; um homem é um homem, um soldado é um soldado...” E, com este pensamento na cabeça, fez um trejeito bem seu, com os ombros, tirou uma fumaçada do seu fedido “Macedônia” e disse, com aquele seu jeitão simples de ter desprezo:
- Puxa, eu nem comecei o discurso subversivo e o sacana do Sodré (governador na época) já me manda as forças armadas! – Provocou assim um desadouro de risadas entre os presentes. Com raríssimas exceções, ninguém tinha dinheiro (tempos duma miséria doirada, especialmente para mim e o Moysés), porém tínhamos em comum “20 anos” e uma tonelada de sonhos na cabeça e muita ironia para vergastar e nos vingar dos “poderosos”, dos “donos do poder” (como bem disse Castelo Hanssen num belo poema do seu livro, “Canção pro Sol Voltar”), que prendiam, torturavam e mandavam matar em nome da Lei e da Ordem Política e Social. Tempos terríveis, quando tínhamos medo até das nossas próprias sombras.
Uma vez, o TECO (Teatro da Comunidade de Mauá), fundado pelo professor Luiz Roberto, encenou o conto de Dalton Trevisan, “Uma Vela para Dario” e escolheu o Dirceu para fazer o papel do morto. Dirceu, na hora da apresentação, já havia tomado todas; estendeu-se no chão, em posição de defunto, enquanto os curiosos se aproximavam, lamentando o acontecido e dilapidavam alguns dos seus pertences (como no conto). O Dirceu teve um acesso de tosse e estragou o clima da platéia, que se derreteu em verdadeiras gaitadas, diante da atitude inusitada do estranho morto.
Quando preparávamos a primeira antologia poética do grupo, surgiu o problema do título. Moysés e eu primávamos por um título sugestivo, que chamasse atenção e suprisse, em parte, a primariedade dos nossos versos ou pecados literários. O Castelo Hanssen e o resto do pessoal achavam besteira; o interessante era publicarmos o livro com qualquer título. Assim, foi se aproximando o dia de levarmos os originais para a gráfica e o impasse continuava. Como ninguém se preocupava com o problema, fui para casa do Moysés, no Rio Grande da Serra e passamos a noite em claro, tomando chá (isso para bronca da Ivanise, mulher do anfitrião, danada conosco pelas batidas da máquina quase a noite toda). No fim da jornada, após uma lista de prováveis títulos, descartamos os mais ruins, sobrando assim dois que nos pareceram bons. Um, de que não me recordo agora, era sonoro, bonito, mas com um certo ranço religioso, permanecendo um título pirandeliano, que nos pareceu bom e de certa forma se enquadrava em nossa finalidade: “10 Poetas Em Busca de Um Leitor”. Ficamos contentes, pois no dia seguinte, tínhamos uma reunião com os 10 poetas, na redação de “A Voz de Mauá”, onde pretendíamos dar os últimos remates em tudo, para, na segunda-feira ou terça, levarmos os originais para a gráfica. Ledo engano. Ao apresentarmos, o título foi logo, rechaçado por Castelo Hanssen, sempre do contra, unicamente para fazer oposição ao Moysés. Os dois nunca se deram bem (só que isso é outra história e falaremos dela no momento oportuno), embora se respeitassem literariamente. O Castelo Hanssen, já cheirando a álcool, fez um trejeito com os ombros, sestro bem seu e disse, olhando a lista com nossa escolha:
- Cacas, cacas; isto é título de fresco! Pegou um papel. colocou-o na máquina e escreveu os três títulos seguintes, a seu ver, supimpas, pois o mesmo era adepto do esculacho, isto é, “do quanto pior melhor”: “O Palito”, “O Chinelo” e “Fato de Bode”. Fez um proselitismo negativo em torno de nosso título, colocou-o em votação e ganhou por maioria esmagadora. Fiquei fulo da vida e cheguei a achar, naquele momento, que as frases reacionárias do Nelson Rodrigues tinham razão de ser: “Toda unanimidade é burra”. O título escolhido por nós teve apenas os votos do Moysés, do Samuel Fernandes de Aguiar e o meu. E, diante disso, o livro deveria chamar-se “Fato de Bode”, o mais votado. Ao perceber a desgraceira, como um pequeno ditador tupiniquim, arrebatei o papel com os títulos das mãos do Castelo Hanssen, rasguei e joguei na lata de lixo e arrematei, como um possesso, aos gritos, tremendo de raiva:

Vocês são burros!...Cambada de imbecis, ganharam mas não levam, ouviram?...

Provocamos um fuzuê danado. Naquele dia, fui para casa escoltado pelo Moysés, Marco Salles e Samuel, pois o resto do grupo, especialmente o Moacir, queria minha cabeça numa salva de prata. Com o passar do tempo, permitiram a publicação do livro com o título perdedor, “10 Poetas Em Busca de Um Leitor” e em seguida, passaram a gostar do mesmo.




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CAPÍTULO III

CAPÍTULO III

Certa feita, isso faz muito tempo, ao retornar do serviço, à tarde, no ventre de uma “lagarta de aço” da Santos- Jundiaí, como de costume, cabeça enfiada dentro de um livro, notei que, em uma das estações, entrou um pirralho magrinho, amarelo e cabeludo, acompanhado por um sujeito grandalhão, de óculos e cara de gozador. O garoto, ao me ver de livro em punho, logo quis puxar conversa; demonstrava conhecimento do assunto e começou a citar trechos e mais trechos da obra; porém eu, em parte por timidez e em parte para não perder o fio da leitura, procurei não dar ouvidos ao que ele dizia e me fechei o mais possível, a fim de despistar o intruso, que, ainda por cima de tudo, exalava um tremendo mau hálito e estava muito rouco, forçando-me a um grande esforço para ouví-lo (vindo a saber mais tarde que acabara de se submeter a uma operação das amígdalas, daí a sua palidez e o mau hálito).
Ao chegar o trem a Mauá, fiz tudo para me livrar do rapazinho, mas o danado não me permitiu a menor oportunidade e me acompanhou até o ponto de ônibus, de onde, felizmente, seguimos direções opostas.
O garoto, ao despedir-se, fez questão de me dar o seu endereço, como também solicitou o meu. Disse-me que, aos domingos, estava sempre na praça, pois era sócio do Grêmio Monteiro Lobato e tinha por costume, a cada fim de semana, devolver os livros lidos e fazer novos estoques para a semana seguinte, pois era um tremendo devorador de literatura.
Já dentro do ônibus, respirei fundo e dei graças a todos os deuses e demônios, por me livrarem do tal “
carrapicho. O tempo passou e numa tarde de sexta-feira, ao sair do mercadinho Onitsuka, sobraçando alguns pacotes, topei de cara com o dito, que, como um detetive, parecia seguir-me os passos. Agora estava mais corado, mais gordo e já não exalava aquele terrível hálito.
Logo após os cumprimentos, a conversa enveredou para os lados da literatura, coisa mui cara para nós. Conversamos muito naquele dia e, por fim, ao despedir-me, convidei-o a ir à minha casa no próximo domingo, onde poderíamos conversar à vontade, com mais vagar.
No dia e hora aprazados, lá estava o tal garoto, que ficou logo estarrecido ao ver a quantidade de livros que eu possuía. Em pouco tempo, o danado, numa fome insaciável de leitura, devorou como traça, quase que por completo, os meus livros. Deixou de pegá-los no Grêmio e assim, todos os domingos ia à minha casa, tornando-se amigo incondicional de minha família, que o considerava um irmão branco, com cara de italiano. Foi aí que recebeu a alcunha de
Chico que, haverá de acompanhá-lo para o resto da vida.
O garoto, nessa época, não trabalhava e como tinha todo o tempo a seu favor, danou-se a fazer versos. Fazia-os às toneladas; a princípio, fracos, como todo iniciante, porém de um fraco que continha algumas boas imagens poéticas, que já deixava antever o grande poeta a se tornar no decorrer do tempo.
Esse poeta, ou melhor, esse garoto, que até aqui ainda não revelei o verdadeiro nome, chama-se Moysés Amaro Dalva, sem dúvida alguma, um dos grandes valores da poesia moderna brasileira (infelizmente desconhecido do grande público).
Com o passar do tempo, a nossa amizade solidificou-se e, certo dia, conhecemos os irmãos Hanssen, isto é, Castelo e Dirceu; aí estava formado o quarteto poético de Mauá, com quartel general instalado na última mesa ao lado direito, de quem entrava no Bar do Yugo, de saudosa memória, que ficava no início da avenida Barão de Mauá, número 88, onde atualmente se encontra
a Casa Bahia. Foi nesse ambiente que idealizamos misérias , criamos Repúblicas Livres, onde o povo seria soberano; fundamos revistas literárias, jornais de sucesso, editamos livros de altas tiragens e nos tornamos jornalistas e escritores tão famosos quanto nossos mestres queridos: Jorge Amado, Castro Alves, Tobias Barreto, Victor Hugo, Sartre, Camus, Bertrand Russel, etc. Tudo isso não passava de um sonho, uma espécie de sonho acordado, que nos fazia um tremendo bem. Andávamos sempre com as cabeças estourando de idéias mirabolantes, em torno de literatura e arte, e os bolsos quase sempre vazios.
Logo em seguida, no mesmo bar do Yugo, conhecemos o Mané Galileu, mineiro cético, gozador, frio, analítico, que punha os anseios do povo em quase todos os seus pontos de vista. Gostava de discutir política
maoísta e filosofia existencialista, tendo assim um verdadeiro amor-de-perdição por Sartre, Camus e Kierkegaard (seus ídolos).
Na época, conhecemos outros elementos que também gostavam de literatura e que discutiam conosco e nos mostravam outros ângulos da condição humana. Todos mais velhos do que nós e com as respectivas cabeças em seus devidos lugares, e não almejavam se tornar famosos sendo poetas, jornalistas, escritores, editores, pintores e, ou outras coisas que o valham.
Os Hanssen não gostavam de literatura internacional ou, melhor dizendo, de escritores que não fossem brasileiros; tinham verdadeira paixão por Afonso Schmidt, Jorge Amado, Erico Verissimo, Eneida, Graciliano Ramos e apreciavam, entre as exceções, um certo Pedro Alarcon e Knut Hansun, os únicos estrangeiros que, para eles, mereciam crédito, especialmente o último (talvez por ser dinamarquês, como seus ancestrais). Já, o Moysés, Mané Galileu e eu tínhamos predileção por escritores franceses, tais como Balzac, Mérimèe, Sartre, Zola, Jean Genet, André Malraux, André Gide, Jean-Jacques Rousseau, Voltaire, etc. Moysés era tão fanático por Victor Hugo de “
Os Miseráveis” e “Nossa Senhora de Paris”, que chegava a agredir verbalmente os irmãos Hanssen, Mané Galileu e a mim, por não gostarmos da prolixidade de “Os Miseráveis”.
Nessa época, o Moysés já tinha dentro de si o gérmen do Colégio Brasileiro de Poetas, e chegou a copiar centenas de páginas poéticas e disseminá-las pelos quatro cantos do país, sem nunca receber nem mesmo um muito obrigado por parte de um destinatário satisfeito, que pretendesse estimular as ambições do jovem candidato à glória.
Assim foi que teve início o movimento poético em Mauá, que, durante o período de incubação, passou a se reunir na Praça 22 de Novembro, debaixo da Asa da Concha Acústica, onde nasceu o primeiro livro do grupo: “
10 Poetas Em Busca de Um Leitor”, Edições Mariposa, contendo trabalhos de Moysés Amaro Dalva, Aristides Theodoro, Moacir Alves da Silva, Castelo Hanssen, Iracema M. Régis, Antenor Ferreira Lima, Samuel Fernandes de Aguiar, Mané Galileu, Marco Salles e Derci Miranda Gomes. Por aqui se vêem os nossos sonhos da mocidade (que, a princípio, pareciam utopia), “cristalizarem-se”, como diria um Stendhal e, depois, engrossados pelos sonhos de outros irmãos de ideal: J. Ramos, Nair Hiioko Kuroda, Arlindo Capela, Vicente Mariano, Alípio de Melo Pereira, Edson Bueno de Camargo, Domingo Bedeschi, Cecília Auxiliadora Bedeschi, Valmir do Carmo Meira, Chico Tânio, Marilou e muitos outros, criando forma e se materializando, ao dar vez ao Colégio Brasileiro de Poetas que, durante alguns anos, distribuiu livros e poesia “à-mão cheia” por esses brasis afora, através de feira de livros, de mão-em-mão, através do sistema de colportagem e em pleno contato com o povo, esse imenso povo, que hospitaleiramente nos recebia de braços abertos, nos seus lares, escolas, festas de poesia, etc.

(*) Este capítulo fora, a princípio, publicado com o título “De Como Surgiu o Colégio Brasileiro de Poetas”, servindo de prefácio ao livro “Revoada de Pássaros Negros”, segunda antologia poética editada pelo Colégio Brasileiro de Poetas, em janeiro de l981.





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CAPÍTULO IV

CAPÍTULO IV

Após as brigas, já relatadas no capítulo II, em torno do título da antologia “10 Poetas em Busca de Um Leitor”, editada pelo Colégio Brasileiro de Poetas, resolvemos lançar o livro em tarde de autógrafos e, para tanto, após muitas escolhas, preferimos convidar o poeta Gióia Júnior, na época deputado federal, para paraninfo do grupo. Na tarde de autógrafos, além de Gióia Júnior, compareceram o prefeito na ocasião, Sr. Dorival Resende da Silva, o secretário de Cultura, alguns professores e outras pessoas importantes da cidade. Vender o livro, o que mais nos interessava, nada. Não conseguimos vender uma dúzia de exemplares. O que apuramos com a venda não cobriu os gastos que tivemos com o pequeno coquetel servido. Um verdadeiro fracasso. Ainda bem que as gazetas nos foram pródigas e deram verdadeiro destaque ao assunto. Um jornal de São Carlos, em dois artigos de página inteira, falou dos ideais do grupo, do seu pioneirismo e terminou publicando, com rasgados elogios, uma poesia de cada figurante da antologia, coisa para matar de inveja muitos políticos da cidade, que só viam seus nomes na imprensa, quando essa dava destaques aos escândalos e falcatruas em torno deles.
Nessa ocasião, a Secretaria de Cultura de Mauá, tendo à frente o professor Valdemir Barbosa, aproveitando a efervescência cultural da cidade, criou os famosos EPOMs – “Encontro de Poesia em Mauá” - título muito criticado por nós (que achávamos que deveria ser “Encontro de Poetas em Mauá”), em que foram premiados muitos integrantes do grupo, tais como: Castelo Hanssen (2 vezes), Moysés Amaro Dalva, Marco Salles, Iracema M. Régis (conto) e eu. Alguns poemas e contos vencedores nos concursos foram publicados em antologias pela Secretaria da Educação e Cultura e se intitularam: “
Encontro de Poesia, 1976, “Encontro de Contos, 1976, ambos organizados por Moysés e por mim.
Nesses encontros, conhecemos vários poetas, que, no futuro, viriam a integrar o Colégio, a exemplo: Antenor Ferreira Lima, Iracema M. Régis e outros. A Iracema aparecera em nossa frente declamando um poema borbulhante de ironia, em que satirizava os poderosos, que criavam, a fim de tampar os olhos do povo, slogans de um otimismo furado, idiota, em torno do “Milagre Brasileiro”. O Poema “
Este é um País que vai pra Frente” começava assim: “Este é um país que vai pra frente / Expressão quente / Está na boca da gente, / O slogan não mente ?” – O trabalho finalista fora defendido pela autora, na época ainda uma meninota, muito bonita, com forte sotaque nordestino, que declamava muito bem e, ao subir no palco, fora vivamente ovacionada pelo auditório, de pé, que logo entendeu o alcance de sua mensagem de protesto e deixou a nós, homens do grupo, logo de cara, todos apaixonados. Nessa noite, um dos meus trabalhos, intitulado “Negro Velho”, se classificou em segundo lugar e foi interpretado por Hélio Criolo, membro do Grupo de Teatro de Mauá – TECO, e também um exímio declamador.
Após recebermos os prêmios, fomos para a rua discutir a validade dos mesmos, chamando alguns dos jurados de burros, analfabetos, jejunos em literatura e coisa e tal (sempre, por esse ângulo, Moysés e eu éramos os mais exaltados). Tentei por várias vezes, nessa noite, puxar conversa, fazer amizade com a Iracema, tudo em vão pois a danada, não sei por que, não quis papo comigo e sim, com meus amigos, Hélio Criolo, Marco Salles e Samuel Fernandes. O tempo passou e, depois de alguns meses, reencontro-a no Correio. Nesse dia, conversamos muito; convidei-a a ingressar no Colégio Brasileiro de Poetas, do qual mais tarde foi presidente e daí por diante permanecemos sempre juntos, até os dias de hoje; ora publicando artigos na imprensa, a quatro mãos, ora editando livros juntos, visitando galerias, bienais, discutindo livros lidos, arte culinária (nosso fraco), visitando restaurantes, etc., sendo que Iracema, ultimamente, tem sido o papo literário mais constante de minha vida.
Como já foi dito no decorrer destas memórias, Moysés e Castelo Hanssen nunca se deram bem. A inimizade é tão velha e tão sem pé nem cabeça que nem eu, que sempre fui amigo dos dois, sei como começou. Os dois são paulistas, ambos brancos, ambos têm mais ou menos a mesma idade, ambos abraçaram, durante um certo tempo, idéias esquerdizantes, são homens sensatos e bons poetas. Até suas poesias se assemelham, falam do mesmo denominador, diferenciando-se apenas no tocante à forma. A poesia de Moysés é trovejante, arrebatada, desse tipo que arrepia a epiderme do leitor, enquanto a poesia do Castelo é dócil, mansa, acariciante, como “As águas dos correguinhos”. “Eu só queria ter palavras mansas,/eu só queria ter um verso amigo,/eu só queria ter um verso livre,/que o povo ouvisse pra cantar comigo” – do poema “
Eu só queria um pouco de Ternura”, do livro “Canção pro Sol Voltar”, Edições Mariposa, 1983. Moysés possuía muito daquele ímpeto de consertador do mundo, aprendido com Castro Alves e Victor Hugo. Vejamos: “É mister que se coloque/Um balde de lixo ali,/Não importa o preconceito/E os conceitos daqui,/Não importa o ambiente,/Que é falso embora decente.../Eu quero um balde de lixo/Depositado no canto ali!...”, “10 Poetas em Busca de Um Leitor”. Como podemos ver, um poema duro, arrogante; em que o poeta impõe as suas idéias a ferro e a fogo. Já Castelo Hanssen é uma espécie de Casimiro de Abreu alemão, com tendências políticas e sem a melancolia do autor de “Meus Oito Anos”. O grupo fora dividido em duas alas distintas: os simpatizantes de Castelo Hanssen e os de Moysés Amaro Dalva. Eu sempre fui mais ligado ao segundo, sem me imiscuir nas picuinhas dos dois. O Moysés é um homem cultíssimo, chegando às raias da genialidade, enquanto Castelo, apesar de ser um excelente cronista e poeta, é um homem comum, chão, como a maioria dos mortais. Moysés não; é um sujeito irrequieto, temperamental ao extremo, instável e, às vezes, de difícil acesso. Por andarmos sempre juntos e , na maioria das vezes, pensarmos parecido (embora com liberdade de pensamento), fui apelidado pelos partidários do Castelo de “Lugar-Tenente do Moysés”, o que não passava de pura infâmia, pois sempre tive idéias independentes e, por mais de uma vez, insurgi-me contra ele, que tinha idéias, a meu ver, suicidas, em relação ao grupo, uma das coisas que eu mais prezava na época.




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CAPÍTULO V

CAPÍTULO V

Em 1977, após o lançamento da antologia “10 Poetas em Busca de um Leitor”, resolvemos patrocinar uma feira de livros em Mauá e convidamos vários grupos de poetas e artistas, não só de São Paulo, mas também do Rio, Porto Alegre, Belo Horizonte, etc. Conseguimos realizá-la na Praça 22 de Novembro. A Secretaria de Cultura colocou várias barracas na praça, a fim de acomodar os participantes e os que tinham material a expor. No dia marcado, lá estávamos juntamente a outros grupos ruidosos, e ali foi lido um Manifesto feito pelos integrantes do Grupo Poetasia, de São Paulo. De certa forma, violento para os dias sombrios de regime militar duro e obscurantista, quando não se podia dizer nem mesmo o clássico ai, jesus!, herdado dos nossos avoengos portugueses. Nesse tempo, por várias vezes, ao fazermos as reuniões do grupo na Praça 22 de Novembro, fomos vigiados pela polícia.
A feira de livros, em retorno econômico, não rendeu grandes coisas; só que os jornais nos deram boa cobertura e, através disso, viemos a conhecer muita gente do mundo literário que se interessou por nós. Daí passamos a somar forças para a nova antologia. Como nos reuníamos aos domingos, na praça, fomos convidados pelos integrantes do TECO, para nos juntarmos à SAVAC (Sociedade Amigos de Bairros de Vila América e Adjacências). Foi quando começamos a nos esbandalhar. A princípio, tentamos montar um espetáculo composto de poesia, música e teatro. De início, parecia que ia dar certo; porém, o personalismo dos vários grupos heterogêneos fora aflorando a cada ensaio e, um dia, explodiu. O Moysés Amaro Dalva, numa manhã, muito irritado, após bate-boca com Ailson de Genaro e Castelo Hanssen, abandonou o grupo, dizendo em alto e bom tom: - “É melhor andar acompanhado por dois homens inteligentes, que saibam pensar, do que andar com dez cabeças de mamão!”
Permaneci no grupo, tentando consertar a situação, mesmo com a falta do Moysés, que era uma espécie de cérebro de tudo (embora inconstante, inconseqüente e brigão). Só que os donos da casa tinham idéias pré-concebidas sobre o que queriam e longe estavam dos sonhos primitivos do Colégio Brasileiro de Poetas. Como percebi que não conseguiria impor as idéias iniciais do grupo, que só se preocupava com literatura, resolvi abandonar os novos integrantes da SAVAC, com seu, programa em fase de apresentação.
A inauguração do espetáculo foi um estrondoso fiasco, como bem documentou Castelo Hanssen, no prefácio do “Útero da América”, último livro editado pelo Colégio, em 1982: “Chegamos mesmo a montar um recital dramatizado, composto de música, teatro e poesia, que antes da sua estréia levou o novo grupo a mais um dos homéricos “arranca-rabos”, causando o desligamento do Theodoro, do Moysés, do Celso e do Boralli (os dois últimos faziam música). Estreamos de teimosos, num dos trabalhos mais porcos que alguém conseguiu fazer na história da Poesia, da Música e do Teatro. Também pudera, com um grupo despedaçado, desmilingüido às vésperas da sua apresentação!”
Após o espetáculo, aquilo que se esperava veio a acontecer: o grupo acabou com muitas picuinhas, fortes ressentimentos (muitos deles permanecendo até hoje) e desavenças, cada um indo para o seu lado. Deixei a poeira abaixar e, como tinha livre acesso entre todos eles, tentei reconstruir o grupo com alguns dos seus primitivos membros. Foi tarefa inglória; ninguém acreditava mais em ninguém. O Moysés disse, peremptoriamente, que não tinha mais interesse pelo grupo. Porém, aos poucos, sem ele, voltamos a nos reunir na praça e no Bar do Yugo.
Leiamos mais um trecho do que Castelo Hanssen disse no seu prefácio a este respeito: “O certo é que o TECO logo morreu e o Colégio Brasileiro de Poetas quase agonizou. Até mesmo aquela nossa velha amizade do boteco do Yugo arrefeceu, mas o Theodoro, que diga-se de passagem, é uma velha mula teimosa, não desanima tão fácil, conseguiu, a muito custo, reunir novamente o grupo (eu, Dirceu, J. Ramos, Moacir Alves da Silva e Iracema M. Régis). Nessa época, pretendíamos fundar uma cooperativa para editarmos um livro”.
Logo tentamos montar nova antologia e fizemos recitais de poesia a cada segundo domingo do mês, reuniões bem concorridas, na Biblioteca Municipal de Mauá, a princípio; e mais tarde no Anfiteatro da Prefeitura, onde os nossos poemas eram declamados. Foi uma boa fase do grupo, pois vivíamos com as cabeças cheias de sonhos e poesias, sem grandes brigas.
A nova antologia, que veio a se chamar “Revoada de Pássaros Negros”, enfeixava trabalhos de quatorze poetas; capa de Luiz Antônio Boralli e apresentação minha. Ficou pronta e como não tínhamos recursos para editá-la, fizemos de tudo para conseguir o dinheiro necessário. Vendemos rifas, arranjamos donativos junto ao comércio local, etc. O Moacir Alves da Silva, que era.muito chegado ao Prefeito Dorival Rezende da Silva, vendeu 100 exemplares adiantado e recebeu o dinheiro; o mesmo fez Castelo Hanssen, em Guarulhos, onde exercia a função de jornalista. O certo é que, quando menos se esperava, o livro estava impresso e de certa forma, vinha satisfazer os nossos sonhos e anseios, represados por muito tempo.



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CAPÍTULO VI

CAPÍTULO VI

Houve um tempo em que o Colégio Brasileiro de Poetas cresceu muito. Não de modo qualitativo, mas em número de pessoas que escreviam meia dúzia de palavras em forma de versos e se julgavam o máximo, carregando uma vaidade extrema, maior que seu próprio peso. O que fazer? São os ossos do ofício. O Colégio, a exemplo das igrejas, enquanto existiu, esteve com as portas abertas para todos os amigos da arte e acenava para seus membros, não com o reino dos céus, porém com seus nomes impressos em letras de forma, nas páginas de suas eventuais antologias. Fazíamos um recital de poesia mensal, que era muito concorrido e copiado por muita gente e para o qual vinham poetas de todo o ABC, de São Paulo e de outras cidades vizinhas; ali todos tinham o seu minuto de glória e os estrondos das palmas dos presentes, para massagear o ego incendiário do vivente. Assim, quando menos esperávamos, tínhamos um Colégio inchado, cheio de gente interesseira, futriqueira, e politiqueira, que se beneficiava do Colégio, tirava proveito em causa própria, fugindo à antiga filosofia do grupo.
Na hora de abrir a boca no mundo e dizer “eu sou do Colégio”, todos diziam, mas na hora de trabalhar e se dar em prol da entidade, pouquíssimos se dispunham a colaborar. Quando se falava em montar uma nova antologia literária, o grupo inchava, apareciam interessados de todas as longitudes e latitudes, a maior parte com trabalhos ruins, e após a publicação, desapareciam tão inesperadamente como apareceram. Então fomos perdendo o pulso e o Colégio passou a perder aquele seu atrativo do início, tornando-se um ambiente detestável, onde havia sempre alguém discordando e conspirando contra tudo e contra todos.
Quando se escolhia novo presidente para dirigir o grupo por dois anos, eram dias propícios para as maiores discordâncias, em que apareciam as chapas mais absurdas, compostas com os elementos mais retrógrados, que por não terem consistência, se punham a denegrir os primitivos ideais do movimento, bem como seus fundadores. O Colégio, naqueles momentos, era um dos piores ambientes que se podia imaginar. Eu mesmo fui execrado e vilipendiado por muitos que não tinham moral para me acusar. Tudo isso desgostou-me profundamente, pois aqueles que menos faziam, eram justamente os que mais procuravam denegrir a imagem dos que produziam alguma coisa.
Nessa ocasião, passamos a editar os nossos primeiros livros. O pioneiro foi o poeta J. Ramos, que editou o seu “Apelo”, um livrinho, para a época, 1977, tremendamente sem-vergonha, apelativo, com a capa lambecada de verde e amarelo, conforme os ditames dos dias vigentes, cheios de milicos gritando ordinário, meia volta, volver! Mais tarde, J. Ramos lançou “Espírito Selvagem” e “Poemas da Solidão”, ambos em 1991. Antenor Ferreira Lima, talvez um dos maiores colaboradores do Colégio, em todos os tempos, publicou “Maré Vermelha”, em 1978, um livro bem impresso, com belíssima capa do pintor Odayr Miguel de Oliveira, que pela aparência gráfica chamava a atenção do leitor, embora o conteúdo deixasse muito a desejar. Em 1983, publicou mais um livro intitulado “Tormenta das Horas” e morre em seguida, na noite de 28/3/84, aos 53 anos de idade, em pleno vigor criativo. Antenor foi uma das pessoas mais íntegras, desprendidas e amigas, que já conheci dentre a condição humana. Eu fui o terceiro a aparecer, levado pela minha estúpida vaidade, com um livrinho mesquinho, ordinário, “Dandaluanda”, um monstrengo, “abaixo da desconsideração”, do qual tenho vergonha mesmo de pronunciar o nome e que jamais gostaria de vê-lo editado; isso foi em 1982. Nove anos mais tarde, publiquei “O Poeta passeia por São Paulo num Sábado à Tarde”, com bonita capa da artista plástica Fátima Ávila e um prefácio “liliputiano”da escritora Dalila Teles Veras. Esse livrinho, de certa forma, me agrada; afinal, externo nele o meu imenso amor pela cidade de São Paulo, com sua turbulência vertiginosa. Em 1992, publiquei “Poeminha Sem Realismo Para Ruth”, muito bafejado pela crítica e que se esgotou em pouco tempo. Em seguida, lancei, juntamente com a jornalista, poeta e contista, Iracema M. Régis, minha colega de imprensa, “Como Preparar Um Diabo Velho em Forno Brando” (ensaios), que também proporcionou muitas palavras amigas por parte dos leitores e da crítica. Por último, a Edições Alpharrabio de Santo André editou “Estórias de Curiapeba”, um livro de contos regionais, em 1996. Castelo Hanssen publicou “Canção pro Sol Voltar”, um trabalho excelente, forrado de ironia, denúncias e complacência ao mesmo tempo, em 1983, o mesmo ano em que Iracema M. Régis, após ser premiada nos dois ruidosos Concursos de Poesia de Cubatão (1980-81), resolveu publicar um livro, revestido de bonita capa de Cleusa da Silva, detalhes do pintor mauaense Aloísio e prefácio do velho romancista Antonio Possidonio Sampaio, intitulado “Poesia”, cuja edição de 1000 exemplares esgotou-se em pouco tempo.O Colégio ainda teve participantes do naipe de uma Tônia Ferr, poeta rebelde, que no embalo das publicações, apareceu com o seu “Massacre”, um livro demoníaco, desaforado, de leitura agradável. Na época, Maria Antonieta Pincerato Carreira publicou ”Doze Portas”; Maria José Castiglione lançou “Cesta de Estrelas”; a argentina Margarita Lo Russo de Anechina editou “Das Profundas Raízes”; Nivaldo Batista veio à tona com “O Fim do Inverno”; José Cícero, “O Poeta e a Rosa”; Afonso Vicente Ferreira, um livro imenso, intitulado “Arpejos Poéticos”; Vera Lúcia Macário fez surgir o seu “Patinho Feio” e Alípio de Melo Pereira, que foi um eficiente tesoureiro do grupo, deixou brotar os seus “Andamentos Poéticos”.
Wilson Jasa, talvez uma das figuras mais esforçadas da nova safra de escritores , lançou “Elo Eternal” e A Pedra Francesa”, ambos em 3ª edição; “A Rosa e o Povo”, traduzido para o castelhano e o japonês; “Pardalino, o Pardal”(infantil), “Poemas de Amor”e organizou mais de 30 antologias em prosa e verso. Também criou, nos moldes do Colégio Brasileiro de Poetas, de Mauá, o Movimento Poético em São Paulo e Lampião de Gás, que muito vem fazendo em prol da nova poesia brasileira. Wilson Jasa está de parabéns pelo seu esforço. É um desses poetas que almoça e janta poesia e que acaba de receber merecidamente alguns prêmios internacionais, coroando assim o seu trabalho, como o Gran Premio Mondiale La Venere de Botticelli (1994) da Academia Del Fiorino – Itália; Prêmio Artístico – Litterario Internazionale La Sicula Athenae (Catania), Academia Internazionale Iblea di Lettere Scienze e Arti de Ragusa – Itallia e muitos outros prêmios internacionais, por sua dedicação total à causa das letras pátrias. Léa Aparecida de Oliveira publicou os seguintes livros: “O Sol e Eles”, 1981; “Etikêta com Peixes e Batatinhas”, sem data; “Talvez Amanheça”, 1984. e participou da antologia “Revoada de Pássaros Negros”, editada pelo Colégio Brasileiro de Poetas.



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CAPÍTULO VII

CAPÍTULO VII

Quentim Bell, no seu livro “Bloomsbury”, referindo-se a um grupo de intelectuais ingleses do início do século XX, assim se expressou: “Conheci Bloomsbury tanto à época de seu apogeu quanto do seu declínio”. – Por ser testemunha ocular, posso dizer o mesmo do Colégio Brasileiro de Poetas, o qual ajudei a fundar. Falando das suas publicações, quero crer que a “Revoada de Pássaros Negros”, publicada em 1980, graficamente, foi o melhor livro que editamos, com capa de Luiz Antônio Boralli, contendo trabalhos de quatorze trovadores, a maioria deles deixando muito a desejar. Castelo Hanssen é o único bom momento da antologia; o resto não passava de aspirantes que procuravam o bê-á-bá na arte de escrever. Alguns deles evoluíram e outros permaneceram, até hoje, irrecuperáveis medíocres, apenas cheios de presunção e arrogância, qualidade própria daqueles que não possuem talento.
Por essa ocasião, o Colégio incrementou os recitais de poesia; convém dizer que fomos os primeiros a introduzir essa modalidade copiada das “ligas” de jovens adventistas, das quais o Moysés Amaro Dalva, meu irmão Sigismundo e eu tomamos parte, no passado. Essa prática de declamar poesia em praças públicas, auditórios, chegou a ser muito difundida, em vários eventos literários, entre outros grupos, que surgiram como cogumelo durante os anos sessenta e oitenta, depois de nós. Vejam que os primórdios do Colégio Brasileiro de Poetas eram antes da revolução de sessenta e quatro, no famoso Bar do Yugo.
O poeta J. Ramos, membro do grupo, em 1980, escreveu e apresentou uma peça intitulada “O Bode Expiatório” e, em seguida, viajou por algumas cidades do interior paulista e de Minas Gerais, muitas vezes representando o Colégio Brasileiro de Poetas, do qual era presidente e difundindo o seu trabalho. Em maio de 1981, o Colégio realizou uma feira de livros, sobre a qual escrevi um artigo para o jornal “A Voz de Mauá”:
“O Colégio Brasileiro de Poetas realizou no dia 17 deste, na Praça 22 de novembro, centro de Mauá, o seu I Congresso de Poetas da Região do ABC, que durou todo o dia. A festa, muito concorrida, com a presença do povo em geral e de poetas de várias cidades de São Paulo e de outros Estados, analisou o estágio da poesia e da literatura brasileira hodierna, o papel do poeta e do escritor nas transformações socio-culturais de nossa terra e as perspectivas de futuro.
O Colégio vem, por meio desta página, agradecer a todos que contribuíram para o engrandecimento da festa e a propalação da cultura em nossa região, bem como às autoridades locais, que se fizeram presentes e contribuíram de modo satisfatório para que a festa fosse realizada. Também queremos agradecer à Escola de Samba Unidos de Mauá, ao Grupo de Capoeira Sinhá, dirigido pelo mestre Luiz Santana, ao Grupo de Teatro Debate, pela apresentação da sua peça “A Gaiola”, aos diversos poetas e escritores que tomaram parte, declamando seus trabalhos e debatendo os problemas ligados ao escritor. Aos vários órgãos de imprensa, quer falada ou escrita, que divulgaram a festa. (Alô, Nelson Rodrigues, Alô, Jorge Paula, obrigado). Obrigado também aos que expuseram seus livros. O Colégio também quer agradecer a alguns de seus membros, aos apresentadores do programa: poeta Iracema M. Régis, teatrólogo J. Ramos, Moacir Alves da Silva, Arlindo Capela, Alípio de Melo Pereira, Antenor Ferreira Lima, Balzac, Léa Aparecida de Oliveira, Vicente Mariano, Dirceu e Castelo Hanssen, Moysés Amaro Dalva, Wilson Jasa, Ruth Souza, João Marques (do Centro de Oratória Rui Barbosa), pintor Waldir Toledo, poeta Isabel de Sousa Lima, o jornalista Oswaldo Donádio (do Jornal da Manhã), Maria Lúcia Lopes (da Biblioteca Municipal da Penha), poeta Roque Luzzi e sua esposa Dona Wilmen (da União Brasileira de Escritores), poeta Afonso de Souza (da Casa do Poeta), ao jornalista J. Bugre, Antonio Maed, José Roberto (presidente da Academia Brasileira de Poetas – SP), Jaime G. da Silva, poeta Ednaldo Couto (do Grupo Letraviva), de Guarulhos, à poeta Ivone Quartin (da União Brasileira de Escritores), poeta Maria Cecília Lobo (sécretaria da Academia de Letras da Região do ABC), escritor Otaviano Armando Gaiarça (também da mesma Academia do ABC), poeta e editor Cláudio Feldman, poeta Aristides Alves (da Academia Jundiaiense de Letras), poetas José Guimarães e Nelson Ap. Gonçalves (ambos da Oficina Literária do SESC-SP) e a tantos outros figurantes de destaque do cenário literário, que contribuíram carinhosamente para o abrilhantamento de tudo que foi feito. A repercussão que provocou esse Congresso tem sido muito grande e temos recebido inúmeras cartas e telegramas de figuras de destaque de várias partes do Brasil, destacando o professor Afrânio Coutinho (crítico literário, membro da Academia Brasileira de Letras), que deseja receber mais informações a respeito do Colégio e seus membros, a fim de incluí-los na sua “Enciclopédia da Literatura Brasileira”. Diante de tudo isso, nós, como provincianos que somos, nos sentimos como que assombrados e ao mesmo tempo honrados em ver que não estamos sozinhos nesta batalha de espalhar cultura por toda parte e mandar o povo pensar, como queria o poeta.
O Colégio, diante do sucesso do seu primeiro Congresso Brasileiro de Poetas, já está pensando em realizar outro, no ano que vem, dessa vez, com mais vagar, mais estruturado, e que eleve o nome de Mauá e da região do ABC Paulista, por estes brasis afora.”

A Voz de Mauá, 28/8/81




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CAPÍTULO VIII

CAPÍTULO VIII

Quando cheguei a Mauá, lá pelo início dos anos sessenta, já se observavam alguns pruridos de cultura na cidade. Por exemplo, o poeta Guilherme Primo Vidotto, de velha cepa mauaense, já escrevia poesia, fazia política e alguns discursos quilométricos, prolixos, a la Fidel Castro. Ariocy Rodrigues Costa mantinha um serviço de alto-falante, no centro da cidade, em cima de uma asa de concreto, (onde hoje fica a Praça da Bíblia) e debaixo ficava o ponto inicial da Empresa Kamoto, que transportava passageiros para São Paulo. Esse serviço de alto-falante anunciava a hora certa, fazia propaganda de casas comerciais e tocava, sobretudo, música, muita música de caráter nacionalista, pois o velho Ariocy era, de certa forma, uma excelente pessoa, com muita vontade de trabalhar por um Brasil melhor.

Mais tarde, bem mais tarde, criaram algo parecido, no Jardim Zaíra. O grande núcleo cultural da cidade, porém, era mesmo o Grêmio Monteiro Lobato, instalado no cocuruto de um prédio, no início da Avenida Barão de Mauá, para onde convergiam os adeptos da cultura e aqueles que tinham sede de leitura e de um bom papo. Por ali passou uma grande parte dos professores e alunos da cidade. Aos domingos, encontrava-se a nata da intelectualidade local, pegando livros emprestados e jogando conversa fora. Foi ali que encontrei Castelo e Dirceu Hanssen, Mané Galileu, Moysés Chaade, Benedicto Milanelli, Valêncio Branco, Pacolla, Chegadinho, Jarbas, Dr. Jales e tantos outros.

O Bar do Yugo e o meu encontro com Moysés Amaro Dalva desencadearam toda uma ânsia de criarmos algo parecido, pretensiosamente, com a Paris da Génèration Perdue, por onde passaram Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, Gertrud Stein, Ezra Pound e tantos outros expatriados americanos, ou com o nosso velho Rio de Janeiro da Belle Èpoque, onde os literatos entupiam os cafés com suas boutades e muita literatura. Afinal, eu era grande leitor de tudo que se referia ao Rio de Janeiro do fim do século, com suas confeitarias apinhadas de literatos. Teve quem advogasse que eu possuía uma das mais nutridas bibliotecas particulares sobre o tema. O Moysés Amaro Dalva bebeu muito dessa fonte de pereníssima brasilidade e creio que foi daí que teve inspiração para criar os primeiros pensamentos para a formação do Colégio Brasileiro de Poetas. E eu, que sempre estive ao seu lado, também muito contribuí para que a idéia tomasse forma, se materializasse, como diria Stendhal. Passamos a pregar a necessidade de criarmos um espaço, onde pudéssemos nos reunir para discutir poesia, debaixo de “Um teto todo nosso”, se fôssemos dar crédito à Virgínia Woolf. Nesse tempo, todos nós éramos simpatizantes de esquerda; alguns chegaram mesmo a ingressar no Partido Comunista e sofreram verdadeiras decepções. O nosso negócio era mesmo literatura e não ideologias partidárias, nas quais não se tinha vez nem mesmo para dizer o clássico, ai jesus!

Mais tarde, depois do surgimento do Colégio Brasileiro de Poetas, apareceu o TECO, Teatro da Comunidade de Mauá, que levou a cabo muitas peças, bem como surgiram do meio muitos declamadores e poetas: o Valdez, hoje médico, chegou a ganhar um prêmio num dos EPOMs (Encontro de Poesia em Mauá), com poema de sua autoria.

Foi mais ou menos por essa época, no início da ditadura de 1964, que o Castelo Hanssen conseguiu uma coluna no Ação, um jornalzinho valente, desaforado, de Santo André, criando uma coluna intitulada “Mural Jovem” e que tinha um subtítulo, “Equipe a Baronesa”, onde começou a publicar os seus primeiros sonhos de poeta e, na sua esteira, levou-nos de roldão; primeiro o irmão Dirceu Hanssen, depois eu. Foi aí que vi meu nome pela quarta vez em letras de forma, pois já havia sido publicado pela Revista Mocidade, da Casa Publicadora, de Santo André; na Gazeta do Ipiranga, e num jornalzinho efêmero, mimeografado, que fundei juntamente com alguns rapazes da igreja adventista do Ipiranga, chamado “O Colibri” e que não passou do segundo número. O meu primeiro trabalho publicado pelo Castelo Hanssen começa assim: “Minha poesia nova é poesia do morro/Com cheiro de fome/E compasso de batucada de negro./Poesia humilde, é verdade./Sem o luxo da rima/Pois isso é coisa de burguês/Métrica e os diabos./Minha poesia é/irmanada com povo/Simples e humilde/Como o engraxate da rua/Que faz batucada/Entoa canção e diz palavrão/Na tampa da lata/Besuntada de graxa e poeira do chão.” Certa feita, tive o privilégio de ver este poema apresentado num jogral de estudantes e não vou mentir, percebi, no momento, que os meus olhos se encheram de doloridas lágrimas. O Castelo publicou outros trabalhos meus, de pequeno porte; afinal, o espaço era diminuto e se destinava à coletividade. Foi aí que Dirceu Hanssen publicou uma crônica, ficando nos anais da história, intitulada “Nega”, de um lirismo a toda prova e uma linguagem linda, linda, que se lê ainda hoje, depois de mais de 40 anos, com o mesmo sabor de quando fora escrita. Dirceu já morreu, porém o seu trabalho permanece belo e atual.

Bons tempos aqueles, quando não tínhamos dinheiro! Alguns de nós, tais como Moysés e eu, não tínhamos quase nem roupas, nem pão para comer, porém tínhamos vinte anos e uma vontade além das nossas forças, de sermos alguém, isso no âmbito das Letras. Éramos uma molecada irreverente, no bom sentido, que andava sem destino, horas e horas pelas ruas, às vezes lamacentas ou empoeiradas da cidade, apenas para termos mais tempo para tagarelar e dar vazão aos nossos sonhos incandescentes, que enchiam as nossas mentes de idéias mirabolantes, utópicas. Nessas andanças, ríamos muito, provocávamos uns aos outros, nos colocávamos apelidos infames, grotescos e, sobretudo, imaginávamos um mundo melhor, onde houvesse mais pão, liberdade de pensamento e oportunidade para todos e onde nós fôssemos os corifeus culturais da região. Santa ingenuidade de moços puros e sonhadores, em plena flor da idade!



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CAPÍTULO IX

De minha parte, acho que seria injusto terminar esta série de apontamentos sobre manifestações literárias em Mauá, sem transcrever o que a imprensa disse sobre nós e, para tanto, vou citar algumas opiniões emitidas. Vamos lá:
“A exemplo dos anos anteriores, Mauá, justamente denominada a “Capital da Poesia”, realizará o seu tradicional concurso de poesia, por ocasião dos festejos a serem levados a efeito no próximo dia 8 de dezembro, em homenagem ao transcurso do seu aniversário. Durante 5 anos consecutivos, tivemos oportunidade de aquilatar o alto grau de interesse despontado no seio da população mauaense, quando um elevado número de cultores do verso tem participado dos memoráveis encontros. No ano passado, dois poetas de valor foram premiados pela segunda vez consecutiva: Castelo Hanssen, com o poema “Estou Vendendo a Mim Mesmo” e Aristides Theodoro, com “Negro Velho”.

Roque Luzzi
Folha do ABC, 20/11/77
.


“Foi um sucesso sem precedente o I Encontro de Poesia de Mauá. Esse negócio de “sucesso sem precedente”já tá um pouco manjado, mas a gente não acha outro termo, vai esse mesmo. As poesias classificadas foram ótimas, embora eu seja suspeito para falar disso. Estou entre os classificados. Aproveito a ocasião para falar de meu amigo Hélio, ator do TECO, rapazinho legal e ótimo declamador. Ele também participou do concurso mas não foi classificado. Em compensação, foi o melhor declamador. Além de “Canção pro Sol Voltar”, o criolão leu outros poemas cujos autores não se achavam presentes. Mas vamos falar de poetas. Todo mundo, quando não tem nada para fazer, fala que a poesia já morreu. Mentira desgramada. O encontro provou isso. Nada menos de duzentas poesias foram inscritas”.

Castelo Hanssen
Tribuna Popular, 10/9/72 – Santo André
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O Colégio Brasileiro de Poetas, com apoio da CECESP e da Prefeitura Municipal de Mauá, promove, no dia 19 próximo, na Biblioteca Municipal de Mauá, o lançamento do livro “10 Poetas em Busca de Um Leitor”, coletânea de poesia de poetas mauaenses, que abre o programa do Colégio Brasileiro de Poetas, cujo objetivo é promover a literatura e editar as obras de autores mauaenses que estão na “gaveta”. Marco Salles, Samuel Fernandes de Aguiar, Iracema M. Régis, Moacir Alves da Silva, Moysés Amaro Dalva, Aristides Theodoro, Castelo Hanssen, Antenor Ferreira Lima, Mané Galileu e Derci Miranda Gomes são os dez poetas que estão à procura de leitores. Desse grupo de poetas, nasceu o Colégio Brasileiro de Poetas, para institucionalizar o movimento e do “Colégio” sairão outros livros, em prosa ou verso, de novos autores. Está previsto para meados do ano o lançamento de um livro de contos. A grande atração do dia 19 será o poeta e cronista Gióia Júnior, convidado para ser padrinho do lançamento de “10 Poetas em Busca de um Leitor”.

A Voz de Mauá. 15/2/78.

“De repente, em meio à selva de letras, a poesia ressurge, maior, para se firmar entre os leitores. E os poetas reaparecem, com força e sensibilidade. Para a crítica e para os leitores, uma surpresa agradável o aparecimento da “Revoada de Pássaros Negros”, reunindo poetas do ABC com a chancela do Colégio Brasileiro de Poetas. O livro, no seu todo, é excelente. Lógico que um ou outro autor se destaca dos demais, caso de Aristides Theodoro, um poeta que tem muito a dizer, e Castelo Hanssen. Mas vale a pena ler Moacir Alves da Silva, Antenor Ferreira Lima, Dirceu Hanssen, Léa Aparecida de Oliveira, Nair Hiioko Kuroda, J. Ramos, Mané Galileu, Iracema M. Régis, Alípio de Melo Pereira, entre outros.

Guido Fidélis
Diário do Grande ABC, 4/1/81


“...não comungamos com a falácia negativista de uns e de outros que só se queixam, aguardando que a glória os bafeje, enquanto criticam os “trombadinhas da literatura” que arregaçam as mangas e vendem seu peixe. Graças aos “trombadinhas” ou vendedores de ilusão, ou “livreiros da noite”, como os apelidou recentemente o “Jornal da Tarde”, em longa reportagem, a atividade literária continua. E grupos como Pindaíba, Poetasia, de São Paulo; Taturana, de Santo André; Projeto Palavra, de São Caetano do Sul e Colégio Brasileiro de Poetas, de Mauá, dão o seu recado na praça e fazem a história literária deste País. Nossa esperança é que nos anos 81 os Taturana, Pindaíba, Poetasia, Colégio Brasileiro de Poetas, cresçam e se multipliquem, pois é graças a eles que os donos do poder jamais conseguirão calar as verdadeiras e conscientes vocações literárias”.

Antônio Possidonio Sampaio
A Voz de Mauá, 14/1/81
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“Iracema M. Régis, Maria José Castiglioni, Tônia Ferr, Margarita Anechina, do Colégio Brasileiro Feminino de Poetas, de Mauá. Primeiro Iracema, depois Maria José, seguida de Tônia Ferr e por fim Margarita. Iracema, nordestina do Ceará e Tônia Ferr das Alagoas. Maria José, do Espírito Santo e a argentina-brasileira, Margarita Anechina. Conclusão, o Colégio Brasileiro de Poetas, que no final de 82 contava apenas com a presença feminina de Iracema e Marilou, hoje conta com um time de mulheres literatas. Isto quer dizer que, para orgulho da classe, a nossa mulher está inserida cada vez mais no campo das Letras.”

Iracema M Régis.
A Voz de Mauá, 84.

“O Colégio Brasileiro de Poetas, dando prosseguimento às suas atividades culturais, realizará no próximo domingo, o seu Primeiro Congresso de Poetas, na Praça 22 de Novembro no centro de Mauá. Trata-se da primeira festa, cujo objetivo é discutir o atual estágio da poesia e da literatura brasileira hodierna, o papel do poeta e do escritor nas transformações sócio-culturais de nossa terra e as perspectivas de futuro”.

A Voz de Mauá, 20/05/81.

“Com o surgimento do Colégio Brasileiro de Poetas começa a delinear um novo panorama do fazer literário no ABC. Era comecinho dos anos 70 (19/10/73), quando os poetas Aristides Theodoro, Castelo Hanssen, Moysés Amaro Dalva e Nelson Bergamaschi decidiram formalizar juridicamente o pequeno e rebelde grupo que, desde o início da década de 60, vinha se reunindo no bar do Yugo, centro de Mauá. “Além das Tertúlias do bar do Yugo, movidas a riso, piadas, pastéis, muita pinga com limão e, de vez em quando, literatura”, conforme relata Castelo Hanssen no Prefácio de “Útero da América”, o grupo adotou uma postura inovadora, já a partir do título de sua primeira coletânea: 10 Poetas em Busca de um Leitor, ou seja, anunciando a que vinha. O leitor era seu alvo, e do bar, os poetas passaram a realizar recitais públicos. Se não criaram nenhuma estética revolucionária em sua própria obra, inovaram na técnica, de cunho social em sua totalidade. Inovaram principalmente na forma inusitada, até então, de se veicular poesia, lendo seus versos para “novos e velhos, pretos e brancos, operários, donas de casa e hippies, enfim, gente que pensa, anda, sente dores e se angustia”, ainda no dizer de Castelo.
Apesar dos hiatos nas suas atividades, graças, em especial, à tenacidade de Aristides Theodoro, seu Presidente por largos anos, o Colégio veio a se tornar um marco de resistência e atuação literária na região, até meados dos anos 80. Publicou quatro antologias (Antologia poética, edição mimeografada, 1977; “10 Poetas em Busca de Um Leitor”, 1977; “Revoada de Pássaros Negros” e “Útero da América”, 1982).”

Dalila Teles Veras
Raízes Ano III nº 4, Janeiro de 1991
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CAPÍTULO X

CAPÍTULO X

Em 1982, quando Iracema M. Régis era Presidente do Colégio Brasileiro de Poetas, ela e seu tesoureiro, o contista e poeta Valmir do Carmo Meira, incumbiram-me de organizar a quarta antologia literária do grupo. Por essa ocasião, o Colégio estava no auge de sua história e recebia gente de São Paulo, Guarulhos e de todo o Grande ABC Paulista, que vinha prestigiar as nossas reuniões. Provam isso os recitais de poesia que eram bem conhecidos . Afinal, todo mundo queria aparecer, ter o seu minuto de glória. Como sempre gostei de trabalhar, escolhi alguns colaboradores e pusemos as mãos na massa, numa labuta desesperada em prol do livro. Logo de início, colhemos um vasto material literário dos seus membros, muita gente nova e muita poesia além do medíocre. Pedimos ao Castelo Hanssen, um dos fundadores e profundo conhecedor da história do Colégio, que fizesse um prefácio, narrando os seus pontos de vista a respeito do assunto. Castelo fez uma obra- prima, que até hoje serve de embasamento para quem se reporta ao tema. O projeto da capa fora entregue ao poeta Antenor Ferreira Lima, que era desenhista e eu, juntamente com outros membros, nos incumbimos do título, da seleção de textos e da montagem dos originais, que deveriam seguir o padrão dos “10 Poetas em Busca de um Leitor” e “Revoada de Pássaros Negros”. Afinal, desde os primórdios do grupo, pensávamos em seguir um critério e publicarmos os livros dentro de um mesmo padrão. Após escolhermos (quase que só eu e o Antenor) os títulos, pois os outros que nos cercavam eram de uma esterilidade medonha, tiramos fora os menos significativos e ficamos com três ou quatro que nos pareceram mais criativos. E assim, com o livro montado a grosso modo, com capa e prefácio, marcamos uma reunião para submetermos o resultado de nosso trabalho ao grupo. A experiência foi desastrosa. Ninguém concordava com ninguém. Uns achavam que deveríamos fazer um livro grandalhão, onde eles pudessem colocar o triplo dos poemas do esboço. Outros não queriam a capa. Mas quando abríamos mão e pedíamos que trouxessem coisa melhor, ficavam embasbacados, sem ação e mais nada faziam a não ser aguilhoar, com a verruma ferina da crítica, os que tentavam fazer algo em prol da agremiação. A única coisa em que houve unanimidade, desde o início, foi o prefácio de Castelo Hanssen. Entre os títulos escolhidos por nós, foi aprovado (com restrição, depois de muitas brigas), “Útero da América”, que não passa de uma montagem saída de um verso de “Canto General”, do chileno Dom Pablo Neruda.
Vencida, a muito custo, a primeira etapa, passamos a procurar gráfica que oferecesse bom preço e qualidade. A Cleide Veronese (já falecida), membro do grupo, que prestava serviço de editoração, ao olhar o material, achou que deveríamos fazer um livro diferente do que pretendíamos. Tanto parlou que nos convenceu a fazer o livro a seu bel-prazer. Por essa ocasião, ela havia editorado o livro “Ventre Aberto”, do poeta Agnaldo Lima Silva, para o qual fiz a orelha e, diga-se de passagem, o livro era passável. Agnaldo se prontificou a fazer a parte da datilografia, coisa que nós sempre repudiamos. De início, datilografou o prefácio de Castelo Hanssen e submeteu-o à nossa apreciação sendo aprovado por todos. Disseram que o preço cairia mais da metade. O certo é que aceitamos a proposta e mandamos rodar o livro. Quando fomos ver as provas, foi aquele fuzuê danado. O livro era um dos troços mais horríveis que já se editou na história gráfica do país em todos os tempos. E passou a ser chamado, daí por diante, de “a cloaca da América”.
A Cleide Veronese, ao notar a revolta dos membros do grupo contra a má qualidade do livro, tirou o corpo fora, jogou toda a responsabilidade nas minhas costas, passou a me evitar, unindo-se aos meus detratores que queriam a minha cabeça a prêmio. Teve quem não aceitasse os seus poemas como estavam e retornou a obra à gráfica, a fim de que fossem reeditadas partes, de modo a satisfazerem exigências. O certo é que o livro, que era para ser o mais barato, tornou-se o mais caro e o pior de todos que fizemos. E em seguida, um dos co-autores, insatisfeito, tentou mover um processo contra mim e assim a coisa foi se azedando a cada novo dia. Os antigos amigos passaram a me olhar de soslaio, como se tudo que acontecera não tivesse a aprovação de todos. Minha decepção foi enorme; chocado e, após pesar os prós e os contras, achei por bem mandar o Colégio com suas picuinhas e suas suscetibilidades à flor da pele, às favas, e cuidar da minha própria vida, isolado de grupos ou de qualquer igrejinha. Foi aí que me enclausurei na Toca Filosófica e passei a fazer uma obra solitária, só dando satisfação a mim mesmo e a alguns bons e poucos amigos. E assim, com o meu afastamento, o Colégio Brasileiro de Poetas, que durou por alguns anos, definhou e, por fim, morreu, vivendo apenas dentro da lembrança de alguns dos seus membros. Depois de sua morte, surgiram novos grupos em Mauá, porém nenhum deles com a força e garra daqueles moços sonhadores que se reuniam nas dependências do velho Bar do Yugo, lá pelo início dos anos sessenta.
Bem, por aqui dou por encerradas estas minhas memórias sobre algumas manifestações literárias em Mauá. Portanto, “finis operis”.



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