quarta-feira, 14 de novembro de 2007

CAPÍTULO VIII

CAPÍTULO VIII

Quando cheguei a Mauá, lá pelo início dos anos sessenta, já se observavam alguns pruridos de cultura na cidade. Por exemplo, o poeta Guilherme Primo Vidotto, de velha cepa mauaense, já escrevia poesia, fazia política e alguns discursos quilométricos, prolixos, a la Fidel Castro. Ariocy Rodrigues Costa mantinha um serviço de alto-falante, no centro da cidade, em cima de uma asa de concreto, (onde hoje fica a Praça da Bíblia) e debaixo ficava o ponto inicial da Empresa Kamoto, que transportava passageiros para São Paulo. Esse serviço de alto-falante anunciava a hora certa, fazia propaganda de casas comerciais e tocava, sobretudo, música, muita música de caráter nacionalista, pois o velho Ariocy era, de certa forma, uma excelente pessoa, com muita vontade de trabalhar por um Brasil melhor.

Mais tarde, bem mais tarde, criaram algo parecido, no Jardim Zaíra. O grande núcleo cultural da cidade, porém, era mesmo o Grêmio Monteiro Lobato, instalado no cocuruto de um prédio, no início da Avenida Barão de Mauá, para onde convergiam os adeptos da cultura e aqueles que tinham sede de leitura e de um bom papo. Por ali passou uma grande parte dos professores e alunos da cidade. Aos domingos, encontrava-se a nata da intelectualidade local, pegando livros emprestados e jogando conversa fora. Foi ali que encontrei Castelo e Dirceu Hanssen, Mané Galileu, Moysés Chaade, Benedicto Milanelli, Valêncio Branco, Pacolla, Chegadinho, Jarbas, Dr. Jales e tantos outros.

O Bar do Yugo e o meu encontro com Moysés Amaro Dalva desencadearam toda uma ânsia de criarmos algo parecido, pretensiosamente, com a Paris da Génèration Perdue, por onde passaram Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, Gertrud Stein, Ezra Pound e tantos outros expatriados americanos, ou com o nosso velho Rio de Janeiro da Belle Èpoque, onde os literatos entupiam os cafés com suas boutades e muita literatura. Afinal, eu era grande leitor de tudo que se referia ao Rio de Janeiro do fim do século, com suas confeitarias apinhadas de literatos. Teve quem advogasse que eu possuía uma das mais nutridas bibliotecas particulares sobre o tema. O Moysés Amaro Dalva bebeu muito dessa fonte de pereníssima brasilidade e creio que foi daí que teve inspiração para criar os primeiros pensamentos para a formação do Colégio Brasileiro de Poetas. E eu, que sempre estive ao seu lado, também muito contribuí para que a idéia tomasse forma, se materializasse, como diria Stendhal. Passamos a pregar a necessidade de criarmos um espaço, onde pudéssemos nos reunir para discutir poesia, debaixo de “Um teto todo nosso”, se fôssemos dar crédito à Virgínia Woolf. Nesse tempo, todos nós éramos simpatizantes de esquerda; alguns chegaram mesmo a ingressar no Partido Comunista e sofreram verdadeiras decepções. O nosso negócio era mesmo literatura e não ideologias partidárias, nas quais não se tinha vez nem mesmo para dizer o clássico, ai jesus!

Mais tarde, depois do surgimento do Colégio Brasileiro de Poetas, apareceu o TECO, Teatro da Comunidade de Mauá, que levou a cabo muitas peças, bem como surgiram do meio muitos declamadores e poetas: o Valdez, hoje médico, chegou a ganhar um prêmio num dos EPOMs (Encontro de Poesia em Mauá), com poema de sua autoria.

Foi mais ou menos por essa época, no início da ditadura de 1964, que o Castelo Hanssen conseguiu uma coluna no Ação, um jornalzinho valente, desaforado, de Santo André, criando uma coluna intitulada “Mural Jovem” e que tinha um subtítulo, “Equipe a Baronesa”, onde começou a publicar os seus primeiros sonhos de poeta e, na sua esteira, levou-nos de roldão; primeiro o irmão Dirceu Hanssen, depois eu. Foi aí que vi meu nome pela quarta vez em letras de forma, pois já havia sido publicado pela Revista Mocidade, da Casa Publicadora, de Santo André; na Gazeta do Ipiranga, e num jornalzinho efêmero, mimeografado, que fundei juntamente com alguns rapazes da igreja adventista do Ipiranga, chamado “O Colibri” e que não passou do segundo número. O meu primeiro trabalho publicado pelo Castelo Hanssen começa assim: “Minha poesia nova é poesia do morro/Com cheiro de fome/E compasso de batucada de negro./Poesia humilde, é verdade./Sem o luxo da rima/Pois isso é coisa de burguês/Métrica e os diabos./Minha poesia é/irmanada com povo/Simples e humilde/Como o engraxate da rua/Que faz batucada/Entoa canção e diz palavrão/Na tampa da lata/Besuntada de graxa e poeira do chão.” Certa feita, tive o privilégio de ver este poema apresentado num jogral de estudantes e não vou mentir, percebi, no momento, que os meus olhos se encheram de doloridas lágrimas. O Castelo publicou outros trabalhos meus, de pequeno porte; afinal, o espaço era diminuto e se destinava à coletividade. Foi aí que Dirceu Hanssen publicou uma crônica, ficando nos anais da história, intitulada “Nega”, de um lirismo a toda prova e uma linguagem linda, linda, que se lê ainda hoje, depois de mais de 40 anos, com o mesmo sabor de quando fora escrita. Dirceu já morreu, porém o seu trabalho permanece belo e atual.

Bons tempos aqueles, quando não tínhamos dinheiro! Alguns de nós, tais como Moysés e eu, não tínhamos quase nem roupas, nem pão para comer, porém tínhamos vinte anos e uma vontade além das nossas forças, de sermos alguém, isso no âmbito das Letras. Éramos uma molecada irreverente, no bom sentido, que andava sem destino, horas e horas pelas ruas, às vezes lamacentas ou empoeiradas da cidade, apenas para termos mais tempo para tagarelar e dar vazão aos nossos sonhos incandescentes, que enchiam as nossas mentes de idéias mirabolantes, utópicas. Nessas andanças, ríamos muito, provocávamos uns aos outros, nos colocávamos apelidos infames, grotescos e, sobretudo, imaginávamos um mundo melhor, onde houvesse mais pão, liberdade de pensamento e oportunidade para todos e onde nós fôssemos os corifeus culturais da região. Santa ingenuidade de moços puros e sonhadores, em plena flor da idade!



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