quarta-feira, 14 de novembro de 2007

DA TEIMOSIA E DA ETERNA JUVENTUDE

DA TEIMOSIA E DA ETERNA JUVENTUDE

Castelo Hanssen

O Aristides Theodoro já contou em “Revoada de Pássaros Negros” como surgiu sua amizade com o Moysés, comigo, com o mano Dirceu e com o Mané Galileu e foi assim, que de repente, éramos uma grande turma de fazedores de literatura, com doses de política e muitas pitadas de sonhos. Portanto, eis a receita ideal para se fazer um grupo literário. Eis como nasceu o Colégio Brasileiro de Poetas, que hoje apresenta a sua terceira antologia, “Útero da América”.
É claro que o bom baiano não contou toda a história nem pretendo contá-la neste despretensioso prefácio. Acontece que a verdade, como já disse alguém, “mora no fundo do poço” e a vida é longa, o pensamento é vário e a nossa memória é falha...
Sei dizer que o nome do Colégio Brasileiro de Poetas, do qual sempre discordei, mas fui voto vencido, nasceu por inspiração do Moysés, na redação da Tribuna Popular, um semanário de Santo André, como não se faz mais. Era um jornal dos bons tempos, dirigido pelo Nelson Bergamaschi, onde o Theodoro, eu e às vezes o Moysés, o Dirceu e o Mané Galileu, escrevíamos nossas crônicas, sem qualquer vínculo empregatício, sem qualquer profissionalismo, mas desfrutando (em tempos difíceis) a doce liberdade de opinião, tão decantada e cada vez mais esnobada, incluso por quem se diz defensor da imprensa livre e da classe dos jornalistas. Mas a nossa história é outra e convém deixarmos isso pra lá.
O fato é que o Moysés apareceu com o nome, a súmula do estatuto e até a diretoria desse grêmio, que fora assinado por ele, por mim, Theodoro e Nelson, no dia 19/10/73 e que então visava a congregar escritores e artistas; mas que eu saiba, não tinha uma finalidade bem definida. Essa primeira idéia morreu no vazio mas a semente ficou e o nome também.
Além das nossas tertúlias no Bar do Yugo, movidas a risos, piadas, pastéis, muita pinga com limão e de vez em quando, até mesmo, literatura, aconteceram outras coisas em Mauá. Por exemplo, os primeiros “Encontros de Poetas” - EPOMs – nos quais fui muitas vezes laureado, não sei se pela qualidade das minhas poesias ou pelos meus lindos olhos míopes (sei que sempre se discutiu isso e a discussão foi motivo para muitos “arranca-rabos” entre eu e meus amigos). Surgiu logo em seguida o TECO, que no início era Teatro do Colégio, por pertencer aos alunos do Viscondão e depois passou a chamar-se Teatro da Comunidade, rompendo assim os cordões umbilicais que o prendiam à escola. Eu, que sempre fugi da escola, acabei fazendo parte desse grupo o suficiente para descobrir que o teatro não é o meu ramo. Mas o Teco entra na história do Colégio Brasileiro de Poetas quando seus dirigentes convidaram a nós, poetas sem teto, que nos reuníamos no Bar do Yugo e na Praça 22 de Novembro, para fazermos juntos um trabalho de nível cultural. Chegamos mesmo a montar um recital dramatizado, composto de música, teatro e poesia, que antes de sua estréia, levou o grupo a mais um dos homéricos “arranca-rabos”, causando o desligamento do Theodoro, do Moysés, do Celso e do Boralli (os dois últimos faziam música). Estreamos de teimosos, num dos trabalhos mais porcos que alguém já conseguiu fazer na história da poesia, da música e do teatro. Também pudera, com um grupo despedaçado, desmilingüido, às vésperas da sua apresentação!

O certo é que o Teco logo morreu e o Colégio Brasileiro de Poetas quase agonizou. Até mesmo aquela nossa velha amizade do boteco do Yugo arrefeceu, mas o Theodoro, que se diga de passagem é uma velha mula teimosa, que não desanima tão fácil, conseguiu, a muito custo, reunir novamente o grupo (eu, Dirceu, Mané Galileu, Samuel Fernandes de Aguiar, Antenor Ferreira Lima, Moacir, J. Ramos e Iracema Mendes Régis), juntamente com outros elementos novos, que aderiram ao grupo.
Nessa época, pretendíamos fundar uma espécie de cooperativa para editarmos um livro, furando assim, o eterno bloqueio das editoras. O fato é que essa cooperativa virou grupo literário e esse grupo literário passou a chamar-se novamente: Colégio Brasileiro de Poetas e depois de muitas rusgas com gráficas, quebra-paus entre nós mesmos, arrecadação de dinheiro, apoio da Prefeitura e do Comércio local, surgiu o nosso primeiro livro, em 1977, que se intitulou “10 Poetas em Busca de um Leitor”, um acontecido importante na vida da pequena cidade de Mauá. Depois de outras aventuras e desventuras, editamos o nosso segundo livro, “Revoada de Pássaros Negros”, em 1980. Com um pouco menos de briga, mais tranqüilidade, surge agora, esta terceira antologia “Útero da América”.
Editar livros é muito importante, mas não é tudo. Principalmente num país, onde se lê muito pouco. Mas a poesia faz parte do cotidiano, como conseguimos demonstrar e como vêm demonstrando outros grupos que surgiram depois de nós e ainda estão a surgir por este mundão de meu Deus afora, para levar a poesia com toda a sua essência ao povo e para beber da poesia desse mesmo povo.
Fugindo ao grupo fechado, o Colégio “bolou” um recital de poesias mensal, em local público, onde todos são convidados a ouvir e falar poesia e o povão atendeu ao nosso chamado e revelamos novos talentos, poetas de todas as idades, novos e velhos, pretos e brancos, operários e não-operários, donas-de-casa e hippies, enfim, gente que pensa, anda, sente dores e se angustia.
O certo é que o Colégio Brasileiro de Poetas aí está, vivo e forte, a mostrar que as idéias, quando bem canalizadas, não morrem. O Colégio Brasileiro de Poetas de Mauá não se casou, mas pariu filhos legítimos, como o “Colégio Brasileiro de Poetas II” de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, dirigido pelo poeta Samuel Fernandes de Aguiar, “O Letraviva”, de Guarulhos, dirigido por mim, entre outros. A prática de reunir poetas sob o mesmo teto despertou a poesia adormecida em cada um, encorajando as pessoas a mostrarem seus trabalhos; frutificou e hoje existem recitais dessa natureza espalhados por todos os cantos. O Colégio suplantou as fronteiras e tem, em seu seio, gente nova e promissora, que quer continuar esse trabalho pioneiro, de espalhar poesia por todo o Brasil. O grupo é grande, gente, muito grande, vasto como o mundo e tem lugar para todos os que queiram trabalhar em prol da poesia e em nossa terra.
Eu falei em “arranca-rabos”. Pois é, existiram, e muitos e por certo continuarão a ocorrer, mas são brigas de família que sempre terminam em confraternização. Nessas brigas todos têm razão, pois cada um quer o melhor para a poesia e para o grupo e todos são teimosos, obstinados como convém a quem sabe onde pisa e aonde quer chegar. E somos jovens, embora a maioria dos iniciadores do movimento sejam hoje quarentões e outros se aproximando dessa idade; aqui as pessoas normais assentam o juízo, mas só as pessoas normais, porque nós, os poetas, continuaremos, se o velho Deus quiser, sempre jovens, impetuosos, anarquistas, generosos, e inconformados, à procura de novas picadas, por todos os séculos, séculas, seculoruns, amém.

Castelo Hanssen
Mauá, 25/1/82


(*) Este trabalho de Castelo Hanssen foi publicado como prefácio do livro “Útero da América”, editado em 1982, com chancela do Colégio Brasileiro de Poetas e por causa desse livro o grupo deixou de existir.


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